Na Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) nº 61/24, a Receita Federal do Brasil (RFB) posicionou-se no sentido de que o adicional de alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) destinado aos FECP não deve ser excluído da base de cálculo do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins). O entendimento é vinculante no âmbito da RFB.
Para o fisco federal, o adicional ao FECP tem natureza distinta do próprio ICMS, por ser cumulativo, possuir destinação específica e não se sujeitar à repartição de receitas com os municípios. Forte nessas premissas, a RFB entende que o adicional não está alcançado pelo tema de repercussão geral nº 69, a célebre “tese do século”, em que o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que o ICMS não compõe a base de cálculo de PIS e Cofins.
A posição da RFB desafia a literalidade do art. 82, §1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que expressamente define o FECP como um adicional à alíquota do ICMS. Os fundamentos da SC Cosit 61/24, ademais, não são lá muito consistentes.
É verdade que a receita de impostos, como regra geral, não pode ser vinculada a fundos (CF/88, art. 167, IV), e que a receita do ICMS, também como regra geral, deve ser repartida com os municípios (CF/88, art. 158, IV, ‘a’); o FECP, no entanto, está dispensado desses requisitos por expressa disposição constitucional, que excepciona as regras acima. Portanto, a própria formatação constitucional do ICMS passa a ter esses contornos, sem perda da “natureza” do imposto.
Finalmente, não é verdade que o adicional ao FECP seja cumulativo, na medida em que é normalmente destacado na nota fiscal pelo fornecedor e creditável pelo adquirente.
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6.365, o STF já consignou que o FECP não passa de mero adicional do ICMS, ostentando, pois, a mesma natureza e o mesmo regime do imposto estadual. Se é assim, todas as teses judiciais assentadas para o ICMS valem também para o FECP, entre as quais a mais impactante delas, a tese do século.
A jurisprudência vem, até aqui, reconhecendo majoritariamente a extensão da tese do século ao FECP (p. ex., AC 5002329-75.2024.403.6130 e 5004563-30.2023.403.6109, ambos do Tribunal Regional Federal da 3ª Região – TRF3).
Se a tese do século aplica-se também ao FECP, não parece haver, a princípio, sequer a necessidade de uma judicialização específica para tanto; é dizer, o contribuinte que já possui coisa julgada material, assegurando a exclusão do ICMS da base das contribuições, e que não a tenha aplicado ao adicional do FECP, poderá, em princípio, fazer uma habilitação complementar do crédito na RFB, utilizando como fundamento essa mesma ação judicial.
É preciso, no entanto, alguma atenção em relação ao prazo prescricional para aproveitamento do crédito. Como se sabe, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendido que o contribuinte tem o prazo de 5 anos para consumir integralmente o crédito reconhecido judicialmente, a contar do respectivo trânsito em julgado (REsp 2.178.201). Assim, caso a ação originária da tese do século já tenha transitado em julgado há mais de 5 anos, pode convir ao contribuinte, agora, uma judicialização específica para o FECP.
Essas e outras nuances precisam ser sopesadas para se definir a melhor maneira de assegurar a aplicação da tese do século ao adicional ao FECP.